O escritor Umberto Eco |
Umberto Eco é autor de romances de sucesso como "O Nome da Rosa" e intelectual respeitado em todo o mundo (já deu aulas em Yale e Harvard, nos Estados Unidos).
O artigo de Umberto Eco foi publicado na edição de segunda-feira, dia 10 de outubro, do Diário do Comércio, jornal da Associação Comercial de São Paulo (ACSP).
A direção do jornal autorizou gentilmente a reprodução do artigo neste blog. Vale conferir:
"Uma mulher foi pegar cogumelos acompanhada por uma amiga e pelo cachorro da amiga. A mulher foi picada por uma vespa e teve um choque anafilático. Deixou de respirar e sua amiga telefonou pedindo ajuda, mas o resgate demorava a chegar, pois estavam em uma mata fechada e era difícil determinar a sua localização.
E o animal, em vez de ficar ali, lambendo a mão da mulher agonizante, como seu instinto determinava, saiu como um foguete, cruzou a mata, encontrou os socorristas e os guiou ao lugar certo.
Imagem do filósofo grego Plutarco |
Faz pouco tempo, o etnólogo italiano Danilo Mainardi contou essa história ao jornal Corriere della Sera, para ilustrar a tese de que os cachorros não são governados totalmente pelo instinto – e que eles apresentam também um comportamento "inteligente". O cão do exemplo não apenas ignorou seu instinto de permanecer ao lado da pessoa machucada como também elaborou um plano complexo que envolvia vários humanos.
Essa história e os comentários de Mainardi me fizeram lembrar a antiga e ampla literatura relacionada à capacidade dos cachorros em raciocinar – em particular as obras dos filósofos gregos.
Um dos textos que teve uma influência considerável para a posteridade é a História Natural, de Plínio, escrita no primeiro século. Ela também se refere a peixes, aves e outras espécies, mas enfoca intensamente a inteligência canina. Plínio menciona um cachorro que reconheceu o assassino de seu amo no meio de uma multidão. Mordendo e latindo, o cão obrigou o homem a confessar seu crime.
Depois há o relato de um cachorro cujo dono foi condenado à morte. O animal uivou tristemente diante do corpo de seu amo. E quando um espectador lhe jogou um pedaço de comida, ele o levou até a boca do homem morto. Quando o corpo do dono foi jogado no Tibre, o cachorro pulou no rio para resgatá-lo.
Mas do ponto de vista filosófico o debate sobre a inteligência canina já estava presente há pelo menos três séculos antes do narrado por Plínio, entre os estoicos, acadêmicos e epicuristas.
No âmbito do debate dos estoicos existe um argumento atribuído ao filósofo Crisipo, que seria retomado e popularizado quase cinco séculos depois por Sexto Empírico. Sexto, filósofo e historiador, garante que os cães são capazes de raciocínio lógico e, para comprovar, escreveu que um cachorro, tendo chegado a uma encruzilhada com três caminhos e que após ter detectado pelo olfato que a presa não tinha seguido duas das três rotas, seguiu pela terceira sem mesmo se deter para cheirá-la.
Supostamente, o raciocínio do cachorro foi o seguinte: "A presa tomou este caminho, ou o segundo, ou o terceiro; pois bem, se não é o primeiro nem o segundo, então tem de ser o terceiro".
Edição de História Natural |
Sexto afirmou também que os cães possuem "logos" – ou razão – porque compreendiam como deviam cuidar de suas feridas: remover os espinhos das patas, manter suas extremidades imóveis e encontrar as ervas adequadas para aliviar seu sofrimento.
Quanto à questão de uma linguagem animal, é verdade que os humanos não conseguem entender completamente a "língua" dos animais; mas podemos discernir os tipos diferentes de som que os cachorros fazem em diversas situações.
Poderíamos ainda continuar citando um contemporâneo de Plínio. Plutarco, em seu ensaio Sobre a Inteligência dos Animais, afirmava que ainda que o raciocínio dos animais certamente seja imperfeito comparado ao raciocínio humano, os animais exibem raciocínio na forma com que se adaptam e decidem. E em As Feras Brutas Fazem Uso da Razão, ele responde àqueles que acham que é exagero atribuir razão aos animais – seres carentes de uma noção inata da divindade – ao assinalar que tampouco todos os seres humanos creem em um poder divino.
No segundo século, em sua obra Sobre a Natureza dos Animais, Aeliano descreve animais se apaixonando por humanos. Em Sobre a Abstinência da Comida Animal, escrita por Porfírio mais de cem anos depois, o autor sírio, um neoplatonista, argumenta que a inteligência animal é um motivo para se tornar vegetariano. Esses todos são temas que prevaleceram até os tempos modernos, até os dias atuais.
Ainda que não haja uma definição universalmente aceita da inteligência canina, deveríamos ser mais sensíveis com relação a esse mistério. E se é muito pedir que todos adotem o vegetarianismo, talvez aqueles donos de cachorros menos inteligentes do que seus mascotes pudessem deixar de abandoná-los à beira da estrada."
Tradução: Rodrigo Garcia.
(A íntegra do artigo pode ser vista também na página do Diário do Comércio: http://www.dcomercio.com.br/index.php/opiniao/sub-menu-opiniao/74906-inteligentes-pra-cachorro)
Oi Osman!!! Não havia lido no DC esse artigo. É simplesmente sensacional saber que desde tempos tão longínquos o homem preocupava-se com os animais... e mesmo assim já haviam guerras onde a irracionalidade humana impera!!!Um grande AU AU p/ vc!!!
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