sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

A vacina trazendo a alvorada

   A vacina contra a Covid19 trouxe a alvorada da esperança nesta sexta-feira (5/02/2021) na cidade de São Paulo. Como no samba de Paulinho da Viola, dedicado à Portela, hoje tivemos motivos para sentir o coração apertado e ver a alegria voltar. Teve início a vacinação contra a Covid de pessoas com mais de 90 anos de idade.  

  A data entra para a história porque até então a vacina estava restrita aos profissionais da área médica da linha de frente do combate à Pandemia, casas de repouso e indígenas. Nesta sexta-feira, o horizonte se alargou, a banda virou bloco, o contribuinte viu parte do retorno dos impostos e a cada semana mais gente será chamada para a agremiação dos vacinados.

  Senhoras e senhores, todos com máscaras, a maioria acompanhada por filhos, netos, amigos, genro ou noras, formaram determinados a fila nos postos de saúde. Alguns em cadeira de rodas, outros com passos firmes, compareceram rapidamente, e assim que o dia clareou, às Unidades Básicas de Saúde (UBS) da cidade de São Paulo e nos Drive Thur de vacinação indicados pela Prefeitura.

  Um dos Drive Thur é no Autódromo de Interlagos, lar de Ayrton Senna o herói único e verdadeiro desta cidade.

  Logo cedo, levei minha sogra, de 92 anos, à UBS da Chácara Santo Antônio, na rua Alexandre Dumas, zona sul de São Paulo. Foi necessário apenas apresentar o RG e o comprovante de residência no bairro e receber uma senha. Em menos de 30 minutos, a Coronavac foi aplicada e a nova Caderneta de Vacinação entregue, com a inscrição da data para a segunda dose, vinte e um dias depois.

  É como ir do recuo da bateria à Apoteose, em 30 minutos! Vendo os profissionais dedicados correndo daqui para lá!

 Ou sentir-se como um Ayrton Senna, que venceu corrida cheia de obstáculos, driblou adversidades, dirigiu com a marcha travada, mas completou o percurso e obteve a vitória! A turma dos 90 anos conhece esta conquista em Interlagos.

 A fila andou no primeiro dia, e andou bem, graças aos profissionais dedicados e competentes da UBS. Aplausos e vivas foram dados aos vacinados na volta pelos corredores e pelo pátio!

  Tudo azul, e não era (o azul) do céu e nem do mar!

  Os corações vacinados, sabem que não estão errados. A seringa injetou ânimo e o vírus atenuado da doença no organismo (que vai mobilizar o sistema imunológico e gerar a defesa por meio de anticorpos específicos contra o novo coronavírus).

  Aqui, faço um parêntese. Afinal, o que é uma vacina? No caso da Covid, do sarampo, da poliomielite, do tétano etc, as vacinas nada mais são do que informações que o organismo recebe sobre o inimigo real e até então desconhecido que deverá enfrentar mais na frente. Não sendo pego de surpresa, consegue desenvolver anticorpos a partir destas informações (vírus atenuado, RNA etc) para ganhar a luta. Vacinas não são remédios, não tratam (salvo raras exceções, em circunstâncias especiais) a infecção se esta já está ocorrendo. Nos testes da fase 3, as vantagens da vacina Coronavac ficaram claras: a imunização evitou em 100% dos casos internações e mortes pela doença. Resumindo: deu valiosas informações aos vacinados sobre o inimigo real, antes do contato com este. 

  Em Epidemiologia, há questões mais complexas: se o número de vacinados é tal que se consiga reduzir o número de doentes, e cortar assim drasticamente a corrente de transmissão, surge a imunidade de comunidade (ou de rebanho), onde não se precisa vacinar 100% da população. Por outro lado, as variantes inevitáveis do coronavírus podem se antecipar, nesta batalha e corrida contra o relógio, a ponto de, pela seleção natural dos mais adaptados (Charles Darwin), fazer revigorar a rota da infecção. Neste caso, o contra-ataque vem com o desenvolvimento pelos cientistas de novas vacinas contra as variantes. 

  Os idosos chegaram na manhã de sexta-feira felizes e determinados nesta unidade, que é modelo. Ricos e pobres, classe média, passageiros de Mercedez com motorista, de Uber, de Kombi, a pé. A vacina não se compra em lugar nenhum em São Paulo, é democraticamente gratuita. “Temos de agradecer por tudo”, disse uma senhora, das poucas que foi sozinha ao posto de vacinação da rua Alexandre Dumas. Outra perguntava se a equipe poderia vacinar sua mãe em casa, nas vizinhanças, mas neste primeiro dia este atendimento não estava previsto.

  O clima de renovada energia lembrou Martinho da Vila: “Canta, canta minha gente, deixa a tristeza para lá, que a vida vai melhorar...”

  Na sala de vacinação, como acompanhante, vi de perto a caixa térmica com a vacina salvadora (no caso a Coronavac do Instituto Butantan em parceria com empresa chinesa Sinovac). Uma ampola simples, de 0,5 ml, com líquido incolor, que exigiu tantos esforços para chegar até aqui. Dimas Covas, do Butantan, que diga: ele combateu o bom combate!  

  Neste posto da Prefeitura, ligado ao Sistema Único de Saúde (SUS), a Ciência e a Fé venceram o obscurantismo e a sabotagem contra a Saúde Pública que se instalou nos palácios de Brasília, logo que o novo coronavírus desembarcou no País. Como se o Brasil não tivesse problema demais, da cadeira da Presidência vieram os piores golpes para destruir um Sistema de Saúde que precisa, na verdade, melhorar, e muito, nas periferias de cidades como São Paulo. 

  O ministro da Saúde em fevereiro de 2020, data da primeira morte por Covid no País, o médico Luiz Henrique Mandetta, fez um bom trabalho, com entrevistas públicas diárias sobre a evolução da Pandemia, mas levou o primeiro grande golpe e foi demitido meses depois por Bolsonaro. Competente demais para o cargo. 

  O sucessor de Mandetta, o médico Nelson Teich, levou o segundo golpe, se negou a atestar que a cloroquina iria salvar a Pátria e foi mandado embora também. Assumiu a pasta da Saúde, o general Eduardo Pazuello, escolhido pessoalmente por Bolsonaro. Logo surpreendeu: segundo a imprensa, Pazuello disse que não sabia o que era o SUS ao chegar ao Ministério da Saúde (foi sincero, os militares têm seus próprios hospitais, não procuram as unidades do SUS e nem se preocupam com os problemas do atendimento da população não fardada). Estava o general, portanto, de bom tamanho para Bolsonaro, era exatamente isso que o capitão buscava para o posto em plena Pandemia.

 

Salve o SUS, Salve São Paulo, Salve a Ciência

Santo Paulo, apóstolo de Cristo, convertido em Damasco, batiza a cidade que tornou-se trincheira de luta contra o desgoverno e as sabotagens de Jair Bolsonaro. O ex-militar e ex-deputado, atual presidente, usou de seu poder e artimanhas para impedir a vacinação contra a Covid no Brasil, e para divulgar o falso tratamento precoce contra a doença, a partir da Cloroquina (medicamento empregado na terapia da Malária) e da Ivermectina (usado contra vermes intestinais). Não há nenhuma base científica para o uso destes medicamentos contra o novo coronavírus. Podem até piorar o quadro clínico.

Pior: deu péssimo exemplo, sobretudo aos que não têm acesso a informações corretas e que estavam dispostos a se adaptar aos novos tempos. Ele nunca usou máscaras e chegou a desautorizar o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, em seu acordo com Dimas Covas para aquisição pelo Ministério da Saúde da Coronavac. Além de ofender a China, por meio do filho Eduardo Bolsonaro.

Capítulo estarrecedor ocorreu em junho de 2020 quando Bolsonaro bateu a porta na cara da equipe da Pfizer/BionTech em Brasília, que veio oferecer a vacina aos brasileiros. O laboratório norte-americano fabrica vacina de eficácia altíssima que é vendida para os governos dos EUA, Inglaterra e Canadá. Não precisa de mais mercados. Mas o que sabe Bolsonaro sobre demanda e oferta?

Os profissionais que atuam nesta campanha e os líderes da Prefeitura de São Paulo e do governo do Estado resistiram firmes na trincheira a favor da Saúde Pública. O governador João Dória enfrentou as milícias de Bolsonaro e suas fake news: Jair e a deputada Bia Kicis (que ninguém sabe ao certo quem é até ver vídeos horríveis que ela posta) disseram que há chips eletrônicos dentro da ampola, que as pessoas iriam virar jacaré após a dose e que o conteúdo da vacina iria alterar o DNA das células dos vacinados.

Foi preciso desmentir tudo, porque há ainda quem acredite em palavras demoníacas ou que quer ter um mito, a qualquer custo. São delírios de um sujeito que chamou as vítimas da Covid de “maricas” e não se importa com o avanço da doença no País “E daí?” que tenham tantos mortos, afirmou Bolsonaro. Hoje, contam-se 230 mil falecidos pela Covid no Brasil.

Os generais, na ante-sala do Planalto, silenciam! E o único general que falou algo, Eduardo Pazuello, foi para piorar as coisas: “Ele manda, e eu obedeço.”

Hoje, no entanto, cada idoso que tomou a vacina deu simbolicamente uma resposta a Jair Bolsonaro! Sua estratégia fracassou! A turma da Terceira Idade que já viu muita água passar por debaixo da ponte sabe que a Ciência não usa o alfabeto das milícias.  

Hoje, em São Paulo, a Fé saiu igualmente reforçada, Graças a Deus! Somente assim seguimos em frente contra aqueles que promovem a morte, defendem a liberação de armas, destroem as florestas, caçam os animais e ameaçam as instituições democráticas. E não se importam com a alegria das crianças. Como se o Brasil já não tivesse problemas...

A competência dos brasileiros para construir um País próspero existe, mas será preciso reconstruir o Brasil pós-Bolsonaro e de seus filhos. Miséria, fome nas ruas, crianças completamente perdidas, educação pública ferida de morte, universidades e pesquisas com verbas cortadas! Astral baixo, só um tal Mercado sobe e ganha dinheiro.

Não produzimos no País o IFA das vacinas (o Ingrediente Farmacêutico Ativo, a base da produção em série das vacinas, ainda importadas pelo Brasil) porque o Ministério da Saúde, o Bolsonaro e ignorantes de Brasília fizeram de tudo pelo fracasso da vacinação. É verdade inacreditável! Acredite se quiser, a Argentina produz o IFA de sua vacina.

Temos no Brasil, no momento, duas vacinas: a Coronavac do Butantan e a da AstraZeneca, da Fiocruz, no Rio de Janeiro. Uma terceira passou a correr por fora em fevereiro: a Sputnik, da Rússia. Mas sem tempo agora para a realização das pesquisas em voluntário no País, diante do agravamento da Pandemia, a bancada do governo resolveu pressionar a ANVISA. Bolsonaristas sabem agora que a cloroquina fabricada em milhões de comprimidos pelo Exército é até contra-indicada. Não segurou a segunda onda. Querem vacina! Porque o Mercado entendeu que a mão-de-obra precisa estar saudável, e Paulo Guedes ouve o mercado. Mas sobre o IFA nada!  

As vacinas salvam vidas desde 1798, quando foram desenvolvidas para conter a varíola na Inglaterra. Nenhum Exército, Aeronáutica ou Marinha forma sua tropa sem vacinas contra a febre amarela, contra o tétano, contra a raiva. Nenhuma grande empresa deixa de vacinar seus funcionários contra a gripe.

Mas o capitão Bolsonaro não foi um bom militar!

Atento apenas aos comunistas fantasmas que infernizam sua cabeça, e que somente ali existem, e às “rachadinhas” que sustentaram ilegalmente os filhos, Bolsonaro sequer distingue uma seringa de um lápis, e pior não sabe usar nenhum dos dois. Infelizmente.

Criado em 1988, o Sistema Único de Saúde (SUS) está mais vivo do que nunca. Precisa melhorar, e muito. Ter a UBS como a da rua Alexandre  Dumas como regra. A turma vacinada hoje avisa que o SUS vai além dos 90 anos!   

“Isso é difícil negar”, diz Paulinho da Viola.

Dez, nota dez, dos jurados para a campanha de vacinação!

 

Autor: Ricardo Osman Gomes Aguiar, médico veterinário, jornalista e escritor, morador de São Paulo.

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