sexta-feira, 19 de junho de 2020

Lições da epidemia: São Roque e a peste em Portugal.

Roque de Montpellier - WikiwandAntónio Vieira – Wikipédia, a enciclopédia livre

Um Sermão de Padre Antônio Vieira que serve para os dias atuais da Covid19


  No século XVII, a região de Algarve, no sul de Portugal, sofria da fome e da peste. A peste bubônica, transmitida por pulgas de ratos e causada por uma bactéria, devastara toda a Europa e ainda resistia em Algarve.

  O padre português Antônio Vieira registrou, em seus Sermões,  o clamor da comunidade pela proteção de São Roque. Segundo relatos,  o Santo da Igreja Católica romana, protetor dos cães e dos inválidos,   teria sobrevivido à peste durante viagem à França,  e protegido os fiéis daquele mal.

  Em sermão realizado no ano de 1659, na capela real da coroa portuguesa, Padre Antônio Vieira apresenta o caráter de santidade e de proteção de São Roque contra a peste.
  Trata-se de texto belíssimo,  que serve de conforto aos dias atuais em que o mundo enfrenta a Pandemia da Covid19.

  Já no início do sermão, Vieira observa que a peste tem características ainda piores do que as demais doenças, porque sua vítima deve ficar isolada de familiares e amigos. Tanto naquela época quanto hoje, os doentes são isolados porque podem infectar as outras pessoas. No século XVII desconhecia-se o mecanismo pelo qual a doença era transmitida, por isso os doentes eram praticamente expurgados das comunidades. 

   Fuge, dilecte mi”. Ou seja, fuja de mim ou se afaste de mim porque estou doente. É o que ouvimos nestes tempos atuais de Pandemia da Covid19, em que os pacientes são atendidos nos hospitais sem as visitas dos familiares e os enterros são feitos às pressas.

  Grandes males são as enfermidades, as feridas, as guerras, os desgostos, os desprezos, os temores, e outros... Mas mal em que é forçoso dizer aos que amais, que fujam de vós, esse é o maior mal de todos os males, esse é o que acaba o valor na maior paciência, esse é o que tira a vida na maior constância. Tal é o mal da peste.”

 "Mal em que o dizer ‘estai comigo’ é querer mal, e o dizer ‘fugi de mim’ é querer bem.” 
   Na época de padre Antônio Vieira a Ciência desconhecia os microorganismos, que viriam a ser descobertos por Louis Pasteur, no século XIX na França. Os antibióticos estavam longe, muito longe, de serem descobertos e utilizados em larga escala. 

   A infecção acelerada da peste bubônica pela pulga dos ratos forçou o distanciamento social e a parada das atividades econômicas, como ocorre atualmente no Brasil. 

  Os portos e as barras fechadas, e os navegantes alongando-se ao mar e não só fugindo da costa, mas ainda dos ventos dela: os caminhos por terra tomados com severíssimas guardas; o comércio e a comunicação humana totalmente impedidos; as ruas desertas e cobertas de erva e mato, como nos contavam e viram nossos maiores nesta cidade de Lisboa", descreve Vieira.

  Neste sermão, o autor relata que as sepulturas estavam sempre abertas e que fazendas adquiridas com tanto esforço estavam com a produção parada. Falências e fome.

  A esperança do povo estava na Fé em Jesus Cristo e Padre Antonio Vieira cita as orações e o clamor pela intercessão de São Roque. “Os grandes males pedem grandes remédios, e um mal tamanho como o da peste só o podia remediar um tamanho Santo como São Roque. Canonizado está São Roque no mundo com o nome de advogado da peste, mas a mim me parece muito vulgar esse nome...” O mais indicado, para Vieira, é outro: “Só um nome acho igual à virtude de São Roque, e é chamar-lhe 'peste 'da peste.”

  Vieira queria ressaltar no sermão que a peste bubônica que tantas vidas levou na Europa tinha um perseguidor implacável, que poderia ser considerado uma “peste” no encalço da peste bubônica.

  São Roque foi 'peste' da peste para ser semelhante a Cristo crucificado”, definiu Vieira

  Naquela época, achava-se que os ventos estavam contaminados e levavam a doença por motivos inexplicáveis. Não se sabia ainda que um inseto era o transmissor da bactéria fatal. 
  Neste Sermão, Vieira conta que Cristo foi inimigo da peste e que utilizava também o sistema de "contágio" para espalhar o bem e a saúde sobre a terra.

  "O modo de matar da peste é por contágio, crescendo, e continuando-se a corrupção pela comunicação das partes... Dá na casa, e leva a rua, dá na rua, e leva a cidade, dá na cidade e leva o reino.” Ao contrário da infecção do mal, Cristo espalhou a luz. “As primeiras partes do ar que se purificaram com a virtude do Crucificado, foram as do monte Calvário, do Calvário passou o contágio a Jerusalém, de Jerusalém a toda a Palestina e da Palestina a todas as partes do mundo...

  Sendo São Roque adversário da peste, este foi invocado pela população da cidade de Constância que ardia em febre. “Saiu a imagem pelas ruas de Constância e sem se tirarem os enfermos às ruas, saravam nas casas, saravam nas enfermarias, saravam nos hospitais, enfim, em qualquer parte da cidade, por remota, por distante, por oculta que fosse, saravam todos.”   

  Isto sim que é purificar o ar por verdadeiro contágio”, ressaltou Vieira no sermão.

  Na conclusão do sermão, o padre faz seu apelo ao santo: “Supra o vosso poder a nossa fraqueza, supra o vosso merecimento a nossa indignidade, supra a vossa graça com Deus a nossa ingratidão tão repetida.”

   Por todos estes séculos, manteve-se o ser humano irresponsável destruidor da natureza, indo além dos limites ao invadir incauto novos nichos ocupados por bactérias e vírus perigosos. A imprudência na higiene, na educação e na alimentação desencadearam epidemias. A resposta da natureza ao invasor de habitats e ao voraz caçador foram, em muitos casos, novas Pandemias, como esta da Covid19, no século XXI.   
  Assim como as nossas culpas nos fizeram companheiros desta desgraça, assim o vosso favor nos faça participantes do remédio dela”, orou Padre Antônio Vieira, a São Roque. 

A peste bubônica pode voltar a ameaçar o mundo (e o Brasil ...

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